Aniversário da Vó Déia - 82 anos

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terça-feira, 27 de julho de 2010

DIA PERFEITO (Bissol)

O dia perfeito há de vir
com mais flores, com mais seiva, com mais frutos,
a chuva cairá moderadamente adubando a vida,
o sol seguirá calcificando o crescimento,
o vento soprará de modo a agitar os pólens,
o mar e os rios estarão sempre abundantes,
de peixes, ostras, mariscos, camarão e lindos corais

O pescador voltará sempre antes do sol se pôr, vivo
abastecendo sua comunidade, e beijar sua amada
O plantador terá fartura de sementes
e o solo estará sempre fértil

Todas as crianças irão à escola e depois brincarão
Tão somente, diversão e alegria

Os adolescentes beijarão muito, sem nenhum vício ou moralismo,
com muito sentimento, muita música e muito esporte

Todos terão trabalho digno,
trabalhando com alegria e serenidade

Não faltará alimentos
Não existirá fome

Viveremos num sistema capitalista social
exercendo nossa liberdade criativa e democrática
com plena responsabilidade pelo próximo,
pelo ambiente e pelo mundo em si.

Viveremos libertos de todos os sentimentos falsos,
preconceitos, negativismos, limitações ou aparências
sem guerra ou afrontas, mentiras ou intolerâncias
como irmãos e vizinhos
respeitando as diferenças culturais, sociais e espirituais

Marido e mulher se amarão muito
numa vida compartilhada, cheia de contrastes resolvidos

Será o dia marcado pela harmonia indelével da existência natural
pela dignidade e pela felicidade
ao princípio básico de ser feliz e fazer os outros felizes
no equilíbrio da razão e da emoção

Chegarei em casa nesse dia, depois do trabalho,
abraçarei forte minha mulher, lhe contarei as minhas estórias,
entenderei suas angústias e esperanças,
depois, juntos, contaremos estrelas, dançaremos ao luau
e faremos amor até a exaustão, perpetuando-nos um ao outro

Esse será o meu dia perfeito
e eu hei de tê-lo
com todas as minhas forças
como se só a mim, dependesse ele,
como se todo equilíbrio desordenado do universo
estivesse nos meus ombros
e meu ombros fosse a escora para outros ombros
e outros ombros suportassem mais outros ombros
nessa sustentável leveza de ser, ter e perceber

SOLIDÃO (Bissol)

Filha da puta, meu amigo, é a solidão

De garras sorrateiras te arrasta ao chão
Doente, vegetal, moribundo
Expõe-te uniformes pensamentos de exclusão
e consome-te osso, fosso profundo

Vício traiçoeiro do eu em mim
Daquele passado que deixei de dividir
consumido sem obras todo o jasmim
dos dias moços, mudos, sem medir

O vinho translúcido na noite alcoólica
O pé já solto pisa alto
leve mente sonha a alma em química
e rondas da morte queimam o asfalto

O sono arde, incauto, a aurora.
A luz envoca a verdade medida
e esperando o quinto da hora
enrola o fio no pescoço da vida

É noite... e a vida não vem...
É dia... e a vida não vai...

SE TE QUERES MATAR (Fernando Pessoa)

Se te queres matar, por que não te queres matar?
Ah, aproveita! .................................

VEJO FLORES EM VOCÊ (Bissol)

Uma primavera brotou em minha vida
Entrou inesperadamente como áster
e com beijos-pintados floriu meu caminho
colorindo todos os cravos-de-amor

Luz de girassol, sorriso sempre-viva
Sua pele exala o jasmim-do-dia e o da-noite
mas se maltratada enreda jasmim-tabaco e
se afasta begônia enclausurada

Chora crisântemos de dor e lágrimas póstumas de lírio
Quando encantada se abre feito maria-sem-vergonha
E se bem amada floresce rosa-sempre-florida

Tem olhos de amor-perfeito, segredos de azaléia
e a sobriedade de antúrio

Mas para ter seu coração é preciso cuidados de orquídea,
riqueza de calanchoe, crista-plumosa da celosia
e a ousadia da helicônia que se abre ao beija-flor

Delicada como os gerânios e rara flor da bromélia
Você é o hibisco de um povo em busca de símbolos

VIDA E MORTE SE ENLAÇAM (Bissol)

Amiga, assim caminhemos lado a lado
Na rua deserta
Segure minha mão
Não posso suportar tanta realidade
O passado e o futuro se encontram
Se encontram sempre no presente
E tudo é dança
Estive ali naquele momento
E ele foi único no espaço-tempo
Mas tudo é relativo e depende do referencial
E o meu momento, para alguém longínquo será futuro
Logo, somos eterno, pois o espaço é infinito e nossa luz sempre caminhará

Ao enxergar além do horizonte, eu percebo que a Terra é curva

Está escuro e estou com sono
As palavras movem-se lentas, longe
Mas o tempo vive e revive

A vida e a morte se enlaçam
Ao menor vento, tombamos incorpóreos, reduzidos a nada
O rosto claro e rubro, o pulso ora forte, ora fraco,
Dizem que ainda estou vivo
A morte é a paz que transcende a compreensão
Depresa, já é tarde
Pois viver é movimento
Pela graça dos sentidos, eu sinto o mundo girar
Eu preciso libertar meu interior dos desejos e da compulsão

Com ternura, os índios ianomâmis comem as cinzas dos mortos
para honrá-los e incorporá-los aos vivos
É a transformação do corpo de Cristo em pão e vinho
No clamoroso lamento da quimera inconsolado

Toc toc toc batem à porta
(eu sinto que estou vivo)
Alguém veio me ver
A morte e a vida são singulares
Não há equações matemáticas para explicá-las

Eis hoje tudo o que eu pude ser
Queria gritar!
Na iminência da morte, procuramos Deus
E todo nosso conhecimento adquirido aprofunda-se na mais vazia ignorância
Quantos juízos equivocados, quantas fantasias improfundas
Só o instinto nos mantém fortes
A hora urge e no último instante, tudo foi relativamente muito pouco